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domingo, 15 de janeiro de 2012

POLÍTICOS MILITANTES TORTURADOS NA DÉCADA DE 70 FORAM ENTERRADOS COMO INDIGENTES

Memorial no Cemitério Ricardo de Albuquerque


O Grupo Tortura Nunca Mais/RJ tem um projeto (Processo nº. 06/050.037/2008), já aprovado pela Diretoria de Controle de Cemitérios e Serviços Funerários da Secretaria Municipal de Obras do Rio de Janeiro para construir um memorial no local onde havia uma vala com as ossadas de 14 militantes, à época da ditadura militar, misturadas com os restos mortais de cerca de 2.000 indigentes, no Cemitério de Ricardo de Albuquerque. Também será construído, na entrada à esquerda do citado cemitério, um marco indicativo da existência do memorial, onde será afixada uma placa com a seguinte inscrição em baixo relevo:

“NESTE CEMITÉRIO, O GRUPO TORTURA NUNCA MAIS/RJ LOCALIZOU O DESTINO DE MAIS DE 2.000 BRASILEIROS SEPULTADOS COMO INDIGENTES ENTRE OS ANOS DE 1970 E 1974. DENTRE ELES, QUATORZE MILITANTES POLÍTICOS ASSASSINADOS POR SE OPOREM À DITADURA CIVIL-MILITAR IMPOSTA AO POVO BRASILEIRO EM 1964”.

Histórico

Em maio de 1991, com a autorização do governo do Estado do Rio de Janeiro, o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ iniciou pesquisas no Instituto Médico Legal, no Instituto de Criminalistica Carlos Éboli e na Santa Casa de Misericórdia. Documentos encontrados mostraram a existência de três cemitérios no Rio de Janeiro que, ao final dos anos 60 e durante toda a década de 70, receberam mortos que foram enterrados como indigentes, em diferentes épocas: Ricardo de Albuquerque (entre 1971 e janeiro de 1974), Cacuia e Santa Cruz.

Segundo documentos encontrados nos três estabelecimentos pesquisados, pelo menos 14 militantes políticos foram enterrados em Ricardo de Albuquerque em uma vala clandestina. São eles:
Ramires Maranhão do Valle e Vitorino Alves Moitinho (desaparecidos políticos), José Bartolomeu Rodrigues de Souza, José Silton Pinheiro, Ranúsia Alves Rodrigues, Almir Custódio de Lima, Getúlio d’Oliveira Cabral, José Gomes Teixeira, José Raimundo da Costa, Lourdes Maria Wanderley Pontes, Wilton Ferreira, Mário de Souza Prata, Merival Araújo e Luiz Guilhardini (mortos oficiais), todos enterrados como indigentes, em covas rasas.

Anos depois, os restos mortais de todos foram levados para um ossuário geral. Em 1980, cerca de 2.100 ossadas foram retiradas do ossuário e enterradas em uma vala clandestina. Esta vala não se encontra nomeada em nenhum documento oficial do cemitério e foi descoberta – assim como outros dados conseguidos pelo GTNM/RJ – por informações obtidas com os antigos coveiros do cemitério. Tanto que, quando o GTNM/RJ lá chegou, em parte do local onde indicavam estar a vala, foram construídos vários túmulos recentes (gavetas). Quando, em setembro de 1991, foi iniciado o trabalho de abertura da vala, constatou-se efetivamente que sua largura e comprimento eram exatamente iguais aos que os antigos coveiros haviam informado. Por isso, a administração do cemitério teve que demolir as gavetas então construídas em parte da extensão e largura da vala.
Ainda em setembro do mesmo ano, foi iniciado o trabalho de exumação dessas ossadas contidas na vala de Ricardo de Albuquerque com a ajuda de dois médicos legistas indicados pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro/CREMERJ, Drs. Gilson Souza Lima e Maria Cristina Menezes, e da professora Nancy Vieira, antropóloga da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ. De início, as ossadas recuperadas foram guardadas no IML de Campo Grande, sendo posteriormente transferidas para o Hospital Geral de Bonsucesso, entidade indicada pelo CREMERJ e que oferecia local adequado para a catalogação dos ossos do crânio e arcadas dentárias. Esse trabalho foi executado sob a supervisão da Equipe Argentina de Antropologia Forense, nas pessoas dos Drs. Luiz Fondebrider, Mercedes Doretti e Silvana Turner que estiveram no Rio de Janeiro em duas ocasiões, em setembro de 1991 – por ocasião da exumação – e em março de 1993.

A tentativa de identificação continuou até março de 1993, quando, com a presença de membros da Equipe Argentina de Antropologia Forense, resolveu-se encerrar a investigação. Segundo parecer dessa equipe, “a tarefa de encontrar 14 ossadas entre cerca de 2.000 era sem dúvida muito complexa, estando todas misturadas e em péssimas condições”. Acrescentaram, ainda, a impossibilidade de fazer, nessas 2.100 ossadas, exame de DNA. As ossadas retiradas, cerca de dez por cento dos crânios e ossos longos, foram catalogadas e separadas, estando hoje guardadas no Hospital Geral de Bonsucesso. A vala continua sendo resguardada para que tais ossadas sejam a ela devolvidas, em local apropriado em memorial a ser construído.

Breve biografia dos militantes
Desaparecidos políticos

Ramires Maranhão do Valle – Militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) – Estudante Secundarista, desaparecido desde 1973 aos 23 anos.
Vitorino Alves Moitinho – Militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) – Estudante, bancário e operário, desaparecido desde 1973 aos 24 anos.
Mortos oficiais
José Bartolomeu Rodrigues de Souza – Militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) – Estudante Secundarista, morto sob tortura no Doi-Codi/RJ, em 29 de dezembro de 1972, aos 23 anos.
José Silton Pinheiro – Militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) – Estudante Secundarista, foi morto aos 24 anos, seu corpo estava carbonizado dentro de um carro, na Rua Grajaú, nº. 321 (RJ), no dia 30 de dezembro de 1972, após ter sido barbaramente torturado.
Ranúsia Alves Rodrigues – Militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) – Estudante de Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco, foi assassinada em 28 de outubro de 1973, seu corpo foi encontrado carbonizado na Praça Sentinela em Jacarepaguá/RJ.
Almir Custódio de Lima – Militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) – Estudante Secundarista, seu corpo foi encontrado carbonizado na Praça Sentinela em Jacarepaguá/RJ, tinha 23 anos.
Getúlio d’Oliveira Cabral – Dirigente do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) – Escriturário da Fábrica Nacional de Motores – Morto sob tortura no dia 29 de novembro de 1972, aos 31 anos no Doi-Codi/RJ.
José Gomes Teixeira – Militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) – Marítimo e funcionário da Prefeitura de Duque de Caxias/RJ. Foi preso em 11 de junho de 1971, pelo CISA, onde foi torturado e morreu em 15 de junho, ainda preso.
José Raimundo da Costa – Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) – Ex-sargento da Marinha – Morto aos 32 anos de idade, no Rio de Janeiro, no dia 5 de agosto de 1971, após ter sido preso e torturado no Doi-Codi/RJ.
Lourdes Maria Wanderley Pontes – Militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) – Morta aos 30 anos de idade, no Rio de Janeiro, em circunstâncias ainda não esclarecidas, 29 de dezembro de 1972, no “aparelho” da Rua Sargento Valder Xavier de Lima nº. 12, fundos.
Wilton Ferreira – Militante da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) – O corpo de Wilton entrou no IML/RJ, como desconhecido, pela Guia nº. 04 do DOPS, em 30 de março de 1972, segundo versão oficial, metralhado em sua casa à Rua Silva Vale, nº. 55, bairro de Cavalcanti/RJ.
Mário de Souza Prata – Militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) – Estudante de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Morto aos 26 anos de idade, no Rio de Janeiro, em 2 de abril de 1971, baleado à Rua Niquelândia, nº. 23, bairro de Campo Grande.
Merival Araújo – Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) – Estudante, foi preso aos 24 anos de idade, no dia 7 de maio de 1973, em seu apartamento em Laranjeiras/RJ, por agentes do Doi-Codi/RJ, onde foi torturado até a morte.
Luiz Guilhardini – Dirigente do Partido Comunista do Brasil (PC do B) – Operário naval e ferreiro, foi morto aos 53 anos de idade no Rio de Janeiro, logo após sua prisão. Seu cadáver foi encontrado na esquina das ruas Girapimirim com Turvânia, no ano de 1976.

LUIZ CARLOS SAROLDI

Luiz Carlos Saroldi era mestre em comunicação e cultura pela UFRJ, onde lecionou radialismo. Foi produtor, coordenador e apresentador de programas culturais na Rádio Jornal do Brasil, atividades que lhe valeram o prêmio Golfinho de Ouro do Museu da Imagem e do Som/RJ (1980). Trabalhou ainda nas rádios Nacional e MEC. A convite da BBC de Londres, coordenou a série "O Rádio no Brasil". Foi autor de peças radiofônicas produzidas por emissoras da Alemanha, uma das quais recebeu, em 1985, o prêmio Roquette-Pinto. Escreveu com Sonia Virgínia: Rádio Nacional – O Brasil em sintonia. Faleceu no dia 16/11/2010.
Reproduzimos aqui, parte do texto de Renato Rocha, seu grande admirador:
“EXCELENTÍSSIMO SAROLDI
A cidade perdeu um dos seus cariocas mais expressivos. O microfone perdeu um de seus maiores craques. A memória do rádio ficou menor, e eu também: sua amizade me engrandecia. Poderia falar muito sobre esse figuraço multifacetado, mas, por questão de espaço, vou me deter no radialista, mais precisamente no grande mestre-sala do radio-ao-vivo que ele foi.
Leve em conta, leitor, que quem está escrevendo estas mal traçadas é um profissional do rádio que redigiu, produziu e montou centenas de programas, mas se penitencia por ter feito muito pouco o rádio por excelência, ou seja, o rádio-ao-vivo: aquele que se equilibra em cima do momento. E que, nos anos 1970 e 80, quando a Rádio JB era a mais conceituada emissora da cidade, foi testemunha de que Luiz Carlos Saroldi atingiu a excelência desse rádio por excelência, estabelecendo um padrão que, a meu ouvir, nunca foi igualado.
A RÁDIO JBBC
Para que os mais jovens possam apreciar melhor, vamos lembrar que a JB era uma espécie de BBC com anúncios, voltada para as classes A e B, e bússola orientadora de opinião e gosto. [...]. Foi no horário do lendário programa Noturno, que Saroldi inventou o seu estilo e começou a se tornar a “voz” da Rádio JB e uma das vozes mais características do Rio de Janeiro.
Na Rádio MEC, já pela SOARMEC – que teria sido só uma ideia, não fosse a sua imediata adesão –, eu produzi 56 programas da série Ao vivo entre amigos, apresentados por ele. Mas também assisti várias vezes o craque em ação na Rádio JB, já na Avenida Brasil, no As 10 mais da sua vida, um programa semanal que teve mais de 400 edições e permitiu traçar um mapa do gosto musical dos entrevistados – sempre pessoas de peso no meio artistico e intelectual.
[...]
A LOCUÇÃO RADIOFÔNICA
Quem criou o primeiro padrão foi o professor Roquette-Pinto, que tinha um vozeirão de tenor-abaritonado (acho que ele explorava o timbre agudo para penetrar mais) e um modo de falar meio institucional. Com César Ladeira, a partir de 1932, a escola paulista de locução começa a se impor. Cezar era advogado e, além do sotaque característico, falava como um juiz mediador no tribunal. [...] No início dos 70, quando Saroldi começa a ir ao ar, ao vivo, ele adota precisamente esse tom coloquial (do Paulo Santos) e, acreditando no microfone e falando como se estivesse ao telefone, desenvolve aquele estilo sereno e elegante, que me parece equivalente à impostação do canto de João Gilberto – que, repetindo, era fã da JB.
[...]
Saroldi, depois que criou o seu estilo, tornou-se companhia de uma legião de ouvintes cativos, por quase 20 anos. Muitos iam dormir embalados por sua voz, como o ouvinte anônimo que, durante o velório, manifestou em voz alta o seu agradecimento por todas as noites vazias que foram preenchidas pelo Noturno, pelo Arte final variedades e pelo As 10 mais.
Por tudo isso, e pelo fato de que, até o fim, Luiz Carlos Saroldi manteve o padrão de excelência que inventou, passarei a designá-lo, doravante, como o meu amigo. Excelentíssimo”

ANTONIO GOMES PENNA
É com grande sentimento de perda que comunicamos o falecimento do professor e historiador da psicologiaAntonio Gomes Penna (09/05/1917 - 07/09/2010). Economista, estudioso de Filosofia, foi um dos primeiros a se dedicar à Psicologia no Rio de Janeiro. Participou de vários cursos de graduação e de pós-graduação, mas centrou sua carreira principalmente na UFRJ, da qual era Professor Emérito. A partir dos anos de 1980, passou a se interessar vivamente pela história da Psicologia no Brasil, produzindo trabalhos que se tornaram fontes de informação para os pesquisadores da área. Sua contribuição à formação e à carreira profissional de diversos professores e pesquisadores foi extremamente substancial em sua longa e exitosa trajetória.
Segue o texto do seu filho, Lincoln de Abreu Penna:
“ANTONIO GOMES PENNA, MEU PAI
Para resumir em poucas palavras a vida do professor Penna, como foi desde cedo chamado por seus alunos e amigos, diria que foi um homem justo. O princípio de justiça social ele herdou dos pais, e nas aulas do mestre que mais o encantou em sua juventude, David José Peres, seu professor de Economia Política na Escola de Comércio, antes de enveredar pelo Direito e Filosofia.
Tinha a sensibilidade diante dos oprimidos, e não deixava de contar aventuras vividas junto com seu pai, imigrante português, numa infância, de início bem modesta, que soube preservar em sua memória como patrimônio para seus filhos e netos. De sua mãe, também portuguesa, ele tinha orgulho, pois de origem pobre, viúva com três filhos pequenos lavava roupas, antes de conhecer seu pai, com quem teve dois filhos, a irmã Clara e ele, o caçula, a quem a mãe prognosticava um futuro brilhante.
Como professor, Penna cultivou inúmeras amizades em suas aulas de filosofia e psicologia. Demonstrava satisfação em lecionar. Não foram poucas as vezes em que, entusiasmado, reproduzia o conteúdo de suas aulas em encontros com seus filhos. Despertou-nos o prazer de viver com dignidade. Seu exemplo está presente em quase todos os seus gestos, e nos mais diferentes momentos de nossas vidas.
Democrata de verdade, sem nunca ter pertencido a qualquer partido político, fazia questão de ressaltar que era um homem de esquerda. Defendia as causas mais progressistas e sei que gostaria de ter tido uma participação política ainda mais intensa. Contudo, influenciou muita gente. No meu caso, além da constante amizade e companheirismo, seus ensinamentos me foram não apenas úteis como decisivos para minha formação. Penna foi perseguido pela ditadura, e jamais se intimidou mesmo nos momentos de maior repressão. Foi, como cidadão, um homem digno e honrado. Um defensor das liberdades diante da opressão.”
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