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quarta-feira, 26 de junho de 2013

Imagine se Sócrates vivesse nos dias atuais. Leia...

"Só sei que nada sei". O autor da frase, Sócrates – um opositor ferrenho aos sofistas - deixou uma marca indiscutível no modo de se pensar no Ocidente. Figura polêmica, por não ter deixado escritos, muitos dizem, inclusive, que não existiu, foi apenas um personagem que teria sido inventado por seus supostos alunos Platão e Xenofonte. Foi, então, principalmente por meio dos escritos desses dois, que o legado de Sócrates não pereceu. Convivendo na Era de Péricles (século V a.C.), de apogeu da Grécia, junto ao povo nas praças públicas (agorá), da cidade (pólis) de Atenas, Sócrates situou sua doutrina na natureza humana e seus desdobramentos ético-sociais. Via na prudência (phónesis) uma virtude essencial para a ordem social, visando uma educação cidadã.
De origem simples, Sócrates era filho de um escultor e de uma parteira. Estudou literatura, música, ginástica, retórica, geometria e astronomia, tal como as obras dos outros filósofos e também dos sofistas, conta Andreas Drosdek (p. 15). Enquanto conscrito no serviço militar, lutou com bravura pela sua cidade. Participou por muito tempo da Assembléia de Atenas, mas não apoiava normas que considerava injustas. "Não apoiou, por exemplo, o governo dos Trinta Tiranos, no ano 404, que mandava para a prisão, por simples capricho, vítimas inocentes. Provavelmente, só foi salvo da fúria dos tiranos graças à contrarrevolução, ocorrida pouco tempo depois", salienta Drosdek (p. 16).
Sócrates tinha um método baseado na ironia e na maiêutica. Na primeira fase do método, a ironia, Sócrates – diante de outra pessoa que dizia conhecer um assunto – dizia que nada sabia. Ele só fazia perguntas, até desmontar o outro, que acabava por demonstrar, na verdade, sua ignorância. Na segunda fase, a maiêutica (parto em grego, em homenagem à sua mãe Fenareta), Sócrates dava luz às novas idéias, construindo novos conceitos, mesmo que não se chegasse a conclusões definitivas. Indagava sobre o sentido dos costumes e as disposições de caráter dos atenienses, dirigindo-se à sociedade e ao indivíduo.
A professora Marilena Chauí (p. 311) é contundente sobre o método de Sócrates: "As perguntas socráticas terminavam sempre por revelar que os atenienses respondiam sem pensar no que diziam. Repetiam o que lhes fora ensinado desde a infância. Como cada um havia interpretado à sua maneira o que aprendera, era comum, quando um grupo conversava com o filósofo, uma pergunta receber respostas diferentes e contraditórias. Após certo tempo de conversa com Sócrates, um ateniense via-se diante de duas alternativas: ou zangar-se com a impertinência do filósofo perguntador e ir embora irritado, ou reconhecer que não sabia o que imaginava saber, dispondo-se a começar, na companhia de Sócrates, a busca filosófica da virtude e do bem."
Devido a essa atitude, ao mesmo tempo em que arregimentava seguidores, Sócrates teve um grande número de inimigos, que, posteriormente, conseguiram articular politicamente a sua condenação à morte, com respaldo popular, sob a acusação de negar as divindades (criando outras) e de corromper a juventude. Condenado ao suicídio, Sócrates bebeu um veneno chamado cicuta. Poderia ter optado pelo exílio de Atenas ou apelado por misericórdia, mas não o fez. "No entanto, a ética de respeito às leis, e, portanto, à coletividade, não permitia que assim agisse", narram Bittar e Almeida (p. 102). "A fuga, portanto, era impensável para ele, pois se assim agisse não estaria mais servindo a Atenas", completa Drosdek (p. 17).
Sócrates desafiava a ordem vigente nos círculos sociais da sua época, pois questionava o relativismo dos sofistas, pregando uma verdade perene, que influenciaria sistemas filosóficos posteriores como o platonismo, o aristotelismo e o estoicismo.
Desse modo, para Sócrates, erro é fruto da ignorância, e toda virtude é conhecimento. O filósofo, assim, tinha como missão "parir" o conhecimento que está dentro das pessoas. "Daí a importância de reconhecer que a maior luta humana deve ser pela educação (paidéia), e que a maior das virtudes (areté) é a de saber que nada se sabe", escrevem Bittar e Almeida (p. 99) De onde será que os partidos e os políticos tiraram a bandeira da "educação" acima de tudo?
A Sócrates pode ser atribuída a origem da ética (ou filosofia moral), tendo como ponto de partida a consciência do agente moral, arremata Chauí (p. 311): "É sujeito ético ou moral somente aquele que sabe o que faz, conhece as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e de suas atitudes e a essência dos valores morais. Sócrates afirma que apenas o ignorante é vicioso ou incapaz de virtude, pois quem sabe o que o é bem não poderá deixar de agir virtuosamente."
A ética de Sócrates reside no conhecimento e na felicidade. Como assim conhecimento? Aquele que comete o mal crê praticar algo que o leve à felicidade, por ter seu juízo enganado por meros "achismos". Por isso é preciso, antes, conhecer a si mesmo. Depois de dotado de conhecimento, aí,
sim
, valorar acerca do bem e do mal. A felicidade, para ele, não se resumia a bens materiais, riquezas, conforto ou status perante os demais homens. Conforme Bittar e Almeida (p. 101): "O cultivo da verdadeira virtude, consistente no controle efetivo das paixões e na condução das forças humanas para a realização do saber, é o que conduz o homem à felicidade." Sua ética é, portanto, teleológica, ou seja, tem como fim da ação a felicidade.

Para Sócrates o coletivo tinha primazia sobre o individual, mas se opunha à concepção de que Direito é a expressão dos mais fortes, sendo melhor sofrer uma injustiça do que cometê-la. A filosofia, de acordo com Sócrates, é buscar a maior perfeição possível seja na vida, quanto na morte. "Para ele, a cidade e suas leis são necessárias e respondem às exigências da natureza humana. A obediência às leis da cidade é um dever sempre e para todos. Por isso Sócrates submete-se à condenação da cidade, ainda que reconhecendo a injustiça de que é vítima", disserta Leite (p. 24-25). Complementam Bittar e Almeida (p. 102): "E isso porque a ética socrática não se aferra somente à lei e ao respeito dos deveres humanos em si e por si. Transcende a isso tudo: inscreve-se como uma ética que se atrela ao porvir (post mortem). (...) Isso ainda significa dizer que a verdade e a justiça devem ser buscadas com vista em um fim maior, o bem viver post mortem. E não há outra razão pela qual se deseje filosofar senão a de preparar-se para a morte."
Embora tivesse conhecimento de que a lei humana (nomos) – artifício humano e não da natureza – poderia ser justa ou injusta, Sócrates pregava a irrestrita obediência à lei. O Direito – conjunto de leis, em termos simplistas – seria um instrumento de coesão social que levaria à realização do bem comum, entendido como o "desenvolvimento integral de todas as potencialidades humanas, alcançadas por meio do cultivo das virtudes", ensinam Bittar e Almeida (p. 104). A lei seria elemento de ordem no todo da cidade (pólis) e, por isso, não deveria ser contrariada, mesmo que se voltasse contra si mesmo, sob pena de se instalar a desordem social. "O homem integrado enquanto integrado ao modo político de vida deve zelar pelo respeito absoluto, mesmo em detrimento da própria vida, às leis comuns a todos, às normas políticas (nómos póleos)", completam Bittar e Almeida (p. 106-107).
O indivíduo nas suas elucubrações poderia questionar os critérios de justiça de uma lei positiva (externa), mas somente criticá-la, sem desobedecê-la, evitando, assim, o caos por levar outras pessoas a desobedecê-la. Dizem Bittar e Almeida (p. 108): "Em outras palavras, para Sócrates, com base num juízo moral, não se podem derrogar leis positivas. O foro interior e individual deveria submeter-se ao exterior e geral em benefício da coletividade." Prossegue Leite (p. 25): "Efetivamente, a justiça, para Sócrates, consiste no conhecimento e, portanto, na observância das verdadeiras leis que regem as relações entre os homens, tanto das leis da cidade como das leis não-escritas. Segundo Sócrates, que propugna pela obediência incondicional às leis da cidade, o justo não se esgota no legal, posto que acima da justiça humana existe uma justiça natural e divina."
Bittar e Almeida (p. 109) enumeram os motivos que levaram Sócrates a optar pelo suicídio: "concatenação da lei moral com a legislação cívica; o respeito às normas e à religião que governavam a comunidade, no sentido do sacrifício da parte pela subsistência do todo; a importância e imperatividade da lei em favor da coletividade e da ordem do todo; a substituição do princípio da reciprocidade, segundo o qual se respondia ao injusto com injustiça, pelo princípio da anulação de um mal com o seu contrário, assim, da injustiça com um ato de justiça; o reconhecimento da sobrevivência da alma, para um julgamento definitivo pelos deuses, responsável pelo verdadeiro veredito dos atos humanos."

Fonte: - Jus Navegandi