O juiz Sergio Moro, que conduz os processos da Operação Lava Jato na Justiça Federal, participou hoje (9) de uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado sobre um projeto de lei propondo que pessoas condenadas em segunda instância por crimes graves sejam presas, mesmo que ainda estejam recorrendo aos tribunais superiores.
O projeto prevê que a prisão se torne regra nos casos de crimes hediondos ou praticados contra a administração pública – caso dos crimes apurados pela Operação Lava Jato. O juiz defendeu o projeto e destacou que atualmente os réus abusam dos inúmeros recursos protelatórios, permanecendo em liberdade mesmo depois que suas culpas já foram comprovadas e admitidas em decisão colegiada.
“Nossa compreensão é que, até o primeiro julgamento, a prisão cautelar tem de ser excepcional. Nisso o projeto não mexe. Entendemos que, após um acórdão condenatório, em caso de crimes graves, a prisão tem de ser a regra e não a exceção. Em caso de crimes graves, ressalto.”
Presidente da Associação Nacional de Juízes Federais (Ajufe), Antônio César Bochenek concordou com Moro. De acordo com o magistrado, nenhum princípio é absoluto, nem o de presunção de inocência, que embasa a regra atual de que o réu pode recorrer em liberdade até a sentença condenatória transitada em julgado.
Para Bochenek, o que “está sendo submetido ao Senado e, posteriormente, à Câmara é uma forma de medida cautelar”, já prevista na Constituição Federal.
Ele também lembrou que o texto foi proposto por instituições ligadas ao combate a crimes contra a administração pública, inclusive a própria Ajufe. “Temos que o projeto não é exclusividade dos juízes federais, pois teve sua iniciativa no Enccla [Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro], que reúne 60 entidades e instituições, o Executivo, Legislativo, Ministério Público e associações que debatem soluções a apresentam sugestões de alterações legislativas. O Enccla apresentou o projeto, numa forma muito parecida com a que está sendo discutida.”
A proposta, no entanto, não é consensual. Para o professor e doutor em direito processual penal Rubens Roberto Ribeiro Casara, o projeto relativiza o direito fundamental à presunção de inocência, o que é uma característica de estados autoritários, como os modelos nazista e fascista. Acrescentou que, além disso, a proposição não terá efeito prático, o que pode ser comprovado por estudos que apontam que o aumento do encarceramento não reduz a violência.
“É inegável a boa vontade de quem elaborou o projeto. Não vou discutir as boas intenções do projeto, mas ele se insere num movimento que se caracteriza pela tentativa de satisfazer o desejo por mais punições, as pulsões repressivas presentes na sociedade. É compreensível que estejam presentes na sociedade, mas se revelam ineficazes para a prevenção de novos delitos.”
Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB, Fábio Sylvestre também se manifestou contrário ao projeto. Segundo ele, o projeto tenta sanar o sentimento de impunidade da sociedade dar mais efetividade ao direito processual penal.
“Entretanto são nesses momentos de exaltação – nos quais o povo, sem paciência e cansado, busca a todo custo e por qualquer forma fazer justiça – que o Senado deve ter prudência, cautela e serenidade para garantir, acima de tudo, a força normativa da Constituição. Falo do preceito constitucional indicado no art. 5º da Constituição Federal, o princípio da não culpabilidade: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”
A audiência pública foi sugerida pelos senadores Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), Ricardo Ferraço (PMDB-ES), José Pimentel (PT-CE) e Humberto Costa (PT-PE). O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, também foram convidados, mas não compareceram.
Edição: Armando Cardoso Mariana Jungmann - Repórter da Agência Brasil
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