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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Conforme o STF, inadimplência não pode impedir advogado de exercer profissão


Por força do que prevê o Estatuto da Advocacia, em seus artigos 34, XXIII e 37, I, o advogado que deixa de pagar as contribuições, multas e preços de serviços devidos à OAB, depois de regularmente notificado a fazê-lo, comete falta ética passível de suspensão, perdurável até que a dívida, devidamente corrigida, seja integralmente satisfeita.
Muito se tem discutido e o debate chegou ao Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a repercussão geral da questão constitucional no Recurso Extraordinário 647.885, sobre se é lícito, à luz da Constituição Federal, permitir que as entidades de classe suspendam os profissionais que estejam inadimplentes com as respectivas anuidades.
A meu sentir, a instauração de processo ético, com possibilidade de suspensão do exercício profissional, por inadimplência, trata-se de um meio indireto de cobrança, por força do qual a entidade de classe impele e condiciona o exercício da atividade profissional ao pagamento da anuidade.
É sabido, porém, que a Constituição Federal estabelece ser livre o exercício do trabalho, desde que atendidas as qualificações previstas em lei (artigo 5º, XIII, da Constituição).
Com efeito, a não ser que se entenda o pagamento da anuidade como uma qualificação profissional, a permitir que a lei imponha uma restrição ao livre exercício da profissão em casos de inadimplência, não há a mínima compatibilidade da previsão contida nos artigos 34, XXIII e 37, I, com o texto constitucional.
Aliás, a prevalecer a jurisprudência do STF, sintetizada nos enunciados das Súmulas 70, 323 e 547, que não admitem meios indiretos de cobrança, sobretudo os que impedem o livre exercício da profissão, quando o credor possa lançar mão de um meio próprio, como a execução fiscal, para a cobrança de suas dívidas, a tendência é que seja declarada a inconstitucionalidade dos artigos 34, XXIII e 37, I, do Estatuto da Advocacia, ainda que não se considere a natureza tributária das anuidades profissionais.
Enquanto isso não acontece, resta saber se, no âmbito dos processos disciplinares por falta de pagamento de anuidade, podem os advogados invocar, como meio de defesa, a inconstitucionalidade dos dispositivos que preveem punição disciplinar por inadimplência.
A discussão torna-se relevante, a partir do momento em que pode surgir a indagação sobre se a Ordem dos Advogados do Brasil tem competência para fazer o controle de constitucionalidade e, no exercício deste controle de constitucionalidade, deixar de aplicar uma norma que entenda ser inconstitucional.
Em artigo publicado no Conjur, em 27 de agosto 2014, o constitucionalista Alexandre de Moraes, a propósito de defender a impossibilidade do Conselho Nacional de Justiça exercer o controle de constitucionalidade no âmbito dos processos que lhe são submetidos, sustentou que, além de estar usurpando competência exclusiva do Poder Judiciário, o órgão não jurisdicional que deixa de aplicar determinada lei devidamente emanada pelo Poder Legislativo estaria a atentar contra o princípio da separação dos poderes.
Todavia, penso, com o máximo respeito, que qualquer órgão da administração pública direta ou indireta, inclusive a Ordem, como autarquia sui generis, está autorizada a fazer o controle de constitucionalidade no plano difuso, podendo deixar de aplicar determinada norma que considere inconstitucional.
Não estará a Ordem, com isso, invadindo a competência do Legislativo, que continuará com autonomia e independência para editar as leis que considere convenientes.
O papel reservado ao aplicador, dos órgãos jurisdicionais ou não jurisdicionais, é totalmente diverso daquele reservado ao legislador, pois àqueles caberá apenas verificar a compatibilidade de determinada lei com a Constituição Federal, podendo aplicá-la ou não, sem retirar a sua vigência e a possibilidade de sua aplicação por outros órgãos administrativos ou pelo Poder Judiciário.
É claro que, uma vez reconhecida, através do controle concentrado, a (in)constitucionalidade de um determinado dispositivo legal, não restará outra opção ao aplicador, senão a estrita observância do quanto decidido na sentença.
Por outro lado, é de se indagar da conveniência da Ordem dos Advogados continuar se valendo do mecanismo do processo ético para, por via oblíqua, cobrar anuidade.
Isto porque um levantamento feito por este subscritor na Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso do Sul acabou por revelar que aproximadamente 75% dos processos éticos em trâmite na Secretaria de Ética e Disciplina dizem com a falta de pagamento de anuidade profissional.
Ou seja, a Secretaria de Ética e Disciplina das Seccionais, que deveria estar zelando pela rápida e eficiente tramitação dos processos que apuram transgressões dignas de punição, a bem da disciplina profissional, acabam concentrando os seus esforços num papel que, a rigor, compete às Tesourarias.
Frustrada a cobrança pela Tesouraria, cabe às Seccionais promover a execução do seu crédito, oportunidade em que poderá se ressarcir dos custos com a cobrança em juízo da anuidade, o que não ocorre quando a Ordem se vale do processo ético, em que o profissional, mesmo condenado, não está obrigado a ressarcir os custos que a entidade teve com a instauração do processo.
Reconheço, no entanto, que, em tempos de morosidade crônica e aguda, o ideal seria conferir aos cartórios extrajudiciais a competência para promover a execução do título extrajudicial, tal como acontece em outros países, em que a demanda executiva só se transfere ao Judiciário se houver embargos ou impugnação do título pelo devedor.
Estou convencido, porém, de que o processo ético não pode servir como meio indireto de cobrança, até mesmo porque a Ordem está gastando muito com a instauração e manutenção dos processos éticos por inadimplência, desviando as forças das suas Secretarias de Ética e Disciplina de onde elas realmente deveriam estar concentradas.
Fonte: CONJUR - Por 

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